sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Transição



          Quando vejo um aluno indo para a escola com um carrinho, boneca ou outro brinquedo sinto um aperto no coração. Eles fazem isso (inconscientemente) porque os brinquedos são objetos de equilíbrio emocional, pois sentem prazer ao brincar, se expressar e imaginar que estão sendo “alguém”. Como dizia Paulo Freire: “eles precisam dizer sua palavra (se expressar), serem mais”. Sinto um aperto no coração porque em sala de aula, ao sentirem-se infelizes, buscam na mochila o arrefecimento para a mente; tiram bolinhas de gude, bonecas, carrinhos e iniciam a brincar. Mas o professor proíbe a felicidade e toma das pequeninas mãos aquele que poderia proporcionar o instante de alegria para um coração já tão machucado, em tenra idade. O professor quer que o aluno olhe para si, para a lousa e para o caderno. O professor fala – “Sala de aula é para estudar! Afinal, se não quer estudar fique em casa!”
          Por outro lado, o professor, também vítima desse modelo de Educação arcaico, sente-se ultrajado pela quantidade de pequenos seres, que, juntos se tornam uma multidão incontrolável, falando, andando, brigando, brincando, chorando ou desafiando o professor... Menos, estudando. Quando consegue, colocar ordem na sala superlotada e passar algum conteúdo, o estresse já tomou conta, a pressão subiu, o estômago doeu e os venenos causados pelas contrariedades já se instalaram no fígado. A boca amargou.
          A sala de aula é o termômetro de uma sociedade falida. Na educação, como nas outras áreas, nós estamos passando por uma intensa transição. Vide Marshall McLuhan e Quentin Fiore no livro “O Meio são as Massagens” (cic):
“Confusões inumeráveis e um profundo sentimento de desespero emergem invariavelmente nos períodos de grandes transições tecnológicas e culturais. A nossa ‘Idade da Angústia’ é, em grande parte, o resultado de se tentar cumprir tarefas de hoje com as ferramentas de ontem – com os conceitos de ontem” (McLuhan, 1969, p.37).
          Estaríamos nós, professores, tentando lecionar “hoje”, como se lecionava “ontem”? A relação aluno/professor, de alguns anos atrás era muito diferente, os meios de comunicação eram diferentes, a criança, o adulto, eram diferentes. Papai não precisava gritar, bastava olhar, e tudo se resolvia. O professor mandava, o aluno obedecia... Outros tempos... Queremos voltar a viver daquele jeito? Nãããão! Mas então, a culpa é do professor, ou do aluno? De nenhum dos dois.
          As crianças e jovens entendem o mundo contemporâneo muito melhor do que nós, e tentam a todo momento nos chamar a atenção para o que tem sentido aqui e agora, mas, como estamos com os olhos no retrovisor da vida, não conseguimos ver o que eles vêm. Veja o que diz McLuhan em outro trecho:
“A juventude compreende instintivamente o ambiente atual – o drama elétrico. Ela vive miticamente e em profundidade. Esta a razão para a profunda alienação (afastamento) entre as gerações. Guerras, revoluções, guerras civis são as faces confrontantes dentro do novo ambiente criado pelos meios informativos elétricos” ” (McLuhan, 1969, p.37).
          Qual seria a solução, então?
          Pois é. Filósofos, sociólogos, psicólogos, educadores, entre tantos outros, se debruçam cotidianamente sobre estas questões, sem uma resposta consensual entre eles. Muitas teses serão ainda escritas e debatidas por muito tempo. A solução virá quando aprendermos a ouvir a voz que vem dos pequenos, que é a voz do aqui e agora. Agora!!! Pois quando crescerem, ficarão como nós, olhando pelo retrovisor da vida.
Laercio Penafiel Pires

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