terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Terra do Benvirá

Maravilha, parece que este post foi escrito para mim. É tudo o que eu penso, mas colocado
 com muito mais propriedade do que conseguiria, se fosse eu a escrever.
Ver o original em:
https://livrepensar.wordpress.com/terra-do-nunca-ou-do-benvira/#comment-16196

Terra-do-Nunca ou do Benvirá?

O sonho começa a tomar forma. As fruteiras plantadas em sistemas agroflorestais completaram o primeiro ano e prometem fartura para breve. As pimenteiras-do-reino trepam vigorosamente nos troncos dos bacurizeiros nativos, como as plantas ancestrais faziam na Índia da época das grandes navegações. As águas parcialmente represadas da nascente, estão cheias de peixinhos a dançar em suas águas claras, águas cortadas diariamente pelos patos e pelos banhos expontâneos da Preta e do Num É. As andirobeiras, copaibeiras, ipês e castanheiras ensaiam os primeiros galhos das copas do futuro. E eu, cada vez mais em paz e deslumbrado, mergulhado quase sempre nas águas até ao pescoço, bebericando pinga e roendo taperebás (já tive três ameaças de pneumonia).
Agora de manhã, mais uma vez, dei comida para os peixes, sentei no toco e fiquei a apreciar seus pulos e o banho dos patos, mais abaixo. E, como nunca, a perspectiva concreta do sonho original se fez presente em mim. E por assim ser, relembrei o projeto da placa que pregarei um dia na entrada do sítio: Sítio Natureza,  As reticências a serem preenchidas pelo subtítulo, que deverá expressar a essência do meu espírito em resiliência: a Terra do Nunca? Ou a Terra do Benvirá? Neste dilema, perdi a noção do tempo a matutar a escolha, sentado no tronco a beira do lago. Qual dos dois?
O primeiro subtítulo pensado, há tempos atrás, foi a Terra do Nunca. Na ficção de J. M. Barrie, esta terra era a morada dos meninos perdidos, da imortalidade e da infância perene. E eu, um menino perdido por tantos anos obrigado à luta para provar que a rebeldia valia alguma coisa, apesar de ter conseguido provar o que queria, redespertei em mim o sonho de uma segunda infância, da qual nunca mais queria sair (efeitos da velhice?). Livre. Dono da minha rebeldia. Dono da minha cabeça e do meu corpo. Imortal. Feliz como um bicho-do-mato sem predadores por perto.
Mas a minha mente em resgate é um turbilhão, que não se contenta em apenas ser criança parada no tempo, por mais feliz que ele seja. E aí me veio à cabeça a música do Vandré (Terras do Benvirá), um poeta louco, rebelde e visionário que, antes de ser morto em vida, refletiu sobre os sonhos originais, o amor de sempre, o céu que nos cobre, as coisas passada que retornam para dar força e o presente que não esquece as raízes.
Pensei muito. Tenho pensado muito nestes dois subtítulos. Cheguei até a pensar em uma enquete para que vocês pudessem me ajudar a escolher. Mas me decidi hoje, ali na beira do lago, por Terra do Benvirá. O eterno vir-a-ser. A desconstrução criativa, onde o que é bom pode ser transformado no melhor. Já fui criança um dia. Criança rebelde, sonhadora, triste e teimosa. Hoje, para minha sorte, mantenho em mim o espírito da criança que fui, mas sou um adulto. Soy um viejo (como sempre digo, um quixote incorrigível). Ou como sempre disse também, um camponês metido à besta que finalmente largou as pretensões intelectuais acadêmicas e retornou à intelectualidade da vida natural. Não me arrependo das pretensões pois fui obrigado à buscá-las e também porque, se não o tivesse feito, morreria na dúvida pelo caminho não trilhado.
E agora, ainda com o coração ligado lá no lago, comunico a vocês, meus amigos: hoje surgiu, formalmente, o Sítio Natureza – A Terra do Benvirá. Ainda embrionário, mas com coisas próprias do sonho que estou perseguindo. E lembrem-se, no caso de eu partir para o outro lado do caminho antes do combinado: aqui eu encontrei paz; aqui eu me resgatei enquanto ser humano válido; aqui reconstruí meu corpo, minha alma e meu espírito. E por tudo isso, quero que, quando partir, meu espírito aqui descanse para sempre, contemplando este pequeno mundo que me faz tão feliz.
Um bom domingo a todos. E para o dia continuar encantado, mando o link para vocês curtirem o Vandré, em Das terras do Benvirá.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Eu e o Malhado em Busca do País Ideal



Ele era marrom, com lindas manchas brancas. Logo que o vi gostei dele e ele de mim. Chamei-o de Malhado, ele atendeu prontamente, se aproximou de mim. Parecia que a gente se conhecia há muito tempo, éramos velhos amigos. Malhado era muito mais do que um bom cavalo, era um ótimo companheiro. Quando saíamos juntos a passear, tudo ficava mais bonito. A vida parecia encantada, o mundo se aproximava do ideal.

Em uma de nossas aventuras conhecemos o país ideal. Foi assim que tudo começou:

Malhado e eu estávamos a galopar por uma planície, sentíamos a brisa fresca a nos acariciar a pele. Neste galope passávamos por canteiros de flores do campo, de todos os tipos e cores: Margaridas, magnólias , rosas... O perfume delas nos deixava inebriados. De repente fomos nos aproximando de uma névoa, uma nuvem que nos envolveu completamente. Malhado, cautelosamente foi diminuindo a velocidade, de galope passou a trotar, depois caminhar, até que a névoa desapareceu e chegamos a um lugar diferente. Era uma cidade muito bonita, toda colorida. As ruas eram ladeadas por arvores frutíferas e flores. As edificações eram coloridas com cores suaves: azul-claro, rosa-claro, verde-claro, amarelo-claro, alaranjado, etc. Uma melodia deliciosa e um perfume suave, quase imperceptível enchiam o ar. No rosto das pessoas percebia-se uma expressão de contentamento, alegria. O curioso é que não  víamos automóveis ou motocicletas neste lugar. Os únicos veículos que passavam lentamente a intervalos regulares eram uma espécie de ônibus que não produzia ruído nem fumaça. Ele dava-nos a impressão de estar deslizando num colchão de ar, agradavelmente, sem pressa.

Chegamos a uma praça que tinha um quiosque de informações, paramos para inquirir. Malhado se dirigiu para um regato de águas límpidas situado bem no centro da praça. Enquanto bebia água e depois degustava a grama verdinha, apetitosa, Malhado aproveitava para apreciar as crianças que brincavam no parquinho (playground) existente no local.

 – Sejam bem vindos – disse a linda moça negra, com voz melodiosa. Ela transmitia serenidade, seus olhos e sua boca sorriam enquanto falava. – posso ser útil, precisam de alguma informação?

 – Sim, chegamos aqui, eu e o Malhado, por acaso. Gostaríamos de saber que lugar é esse.

 – Na verdade – ela disse – vocês não vieram para cá por acaso. Tudo tem um propósito. Este lugar, como vocês estão vendo é muito tranquilo, mas não foi sempre assim. Aqui tinha violência, corrupção, roubos, injustiça social, desemprego, pobreza, poluição, doenças, preconceitos. Enfim, faltava respeito ao ser humano e à Natureza. Até que um dia chegou um grupo de saltimbancos. Aqueles malabaristas foram conquistando aos poucos pequenas porções da população, depois a maioria da população. Aquelas pessoas que antes só viam televisão, agora começavam sair para as ruas para ver as acrobacias dos saltimbancos. Depois de certo tempo, eles começaram a mostrar espetáculos teatrais. Isso tudo foi despertando o cérebro adormecido do povo para as coisas da realidade. Após o teatro, eles começaram a trazer livros e assim nossa população foi evoluindo e tomando consciência de que as coisas poderiam ser diferentes. Que dependia de nós continuar naquela tristeza, convivendo com a violência, corrupção,... Ou dar um salto de qualidade transformando o país em um lugar melhor para se viver.

As pessoas começaram a conversar mais, ter uma convivência em comunidade. Vizinhos que mal se viam de vez em quando, agora passavam horas trocando experiências enriquecedoras. O crescimento intelectual das pessoas foi tanto que o país começou a se transformar. A primeira medida tomada foi uma lei de iniciativa popular que rezava o seguinte:

Parágrafo 1: Todas as ruas e praças deste país deverão ser arborizadas com árvores frutíferas em toda sua extensão, para que não faltem frutas na alimentação do nosso povo, melhorando assim a saúde da população. E assim, a população foi criando leis como: garantia de emprego para todas as pessoas, direito à moradia digna para todos, direito à saúde de boa qualidade. Direito ao ensino gratuito da pré-escola até a faculdade, para todos, independente de classe social. E outras.

Aliás, esse negócio de classe social, aqui já não existe mais, nós abolimos todas as diferenças.

Nesse momento eu interrompi a moça e perguntei:

 – Mas como é isso? Eu acho legal diminuir as diferenças, mas não consigo entender por exemplo um lixeiro ganhando o mesmo salário de um médico.

Ela explicou:

 – Aí é que está, em nosso sistema todas as pessoas têm o mesmo nível intelectual, tanto o médico como o gari, como o servente, ou qualquer outro profissional. Aliás, o gari que recolhe o lixo da minha rua é formado em Filosofia e Sociologia, o servente do prédio onde moro é formado em Astronomia e está sendo cotado para ser um dos tripulantes da próxima viagem interplanetária com destino à Saturno, o ascensorista já escreveu  vários livros de fama internacional.

Nesse momento eu a interrompi novamente:

 – Puxa vida, minha cabeça está girando, estou tonto com tudo isso que você está me contando.  E você, o que faz além de atender o público neste quiosque de informações?

 – Eu, bom, este ano estou como Presidente da República e dou plantão neste quiosque uma vez por semana.

Nisso, o Malhado se aproximou e parou perto de nós. A presidenta fez um carinho no Malhado e se despediu de nós dizendo:

 – Tudo que existe está relacionado. O bem individual é impossível sem o bem coletivo. Só depois que entendemos isso é que conseguimos acabar com a violência e com todos os outros males que afligem o Mundo.

Montei o Malhado e fomos andando e andando. Atravessamos o país de ponta a ponta, comprovando tudo o que ela dissera. Tudo que vimos naquele país, além de nos encher de entusiasmo e esperança, aumentou muito a nossa vontade de lutar por um Mundo melhor.

Novamente aquela névoa nos envolveu... Quando saímos dela não havia nada além da planície. Galopamos um pouco. Aliás, ainda estamos galopando a procura daquele lugar maravilhoso. O país ideal.

Continuaremos, eu e o Malhado, nessa busca do país ideal enquanto a gente viver. 23.51h