domingo, 16 de novembro de 2014

Um dia, outro dia

Confira resenha de “Um dia, outro dia”, de Salvador dos Passos, por Prof. Laércio Pires (16/11/2014).
De forma magistral, Salvador dos Passos relata, neste conto, em terceira pessoa, a angústia de um homem (Hipólito), no seu último dia de trabalho.
Por Laércio Penafiel Pires

RESENHA
São 9h da noite. Ele está na rua, ainda sob o efeito das doses de uísque que tomara na festa de despedida que os colegas do banco fizeram para ele. Nesta festa, recebeu até medalha, com direito a discurso homenageando-o, proferido pelo seu chefe, senhor Lucas.
Sem coragem para encerrar o último dia, resolve que não vai direto para casa, onde vive só. O outro dia (dia seguinte) lhe mete medo. Enquanto ainda estava no mercado de trabalho tudo era repetição, tudo era previsível, conhecido, seguro. A escrivaninha o espaço, relatórios... Agora, o desconhecido, a incógnita, a casa vazia. Se ao menos tivesse alguém para conversar, ouvir, visitar.
Decide que fará o trajeto diferentemente do usual, não pegará o ônibus no lugar de sempre. A cada bar que passa, toma um trago. Passa a madrugada entre lanchonetes e padarias, bebendo e refletindo sobre a infância livre nos riachos.

[Depois de trinta e cinco anos de entrega total, a auto anulação, para quê? Para ter a recompensa de uma despedida com uísque e o abraço final de um diretor? Claro que não. Trabalhara por necessidade de sobrevivência. Mas vivera em função de que, se a vida fora ela toda consumida no trabalho e se trabalhara por necessidade de sobreviver? Vivera, afinal, meramente em função da necessidade de viver? Vivera meramente mera vida (pag 53.]

Quer retardar o máximo o enfrentamento com o “outro dia”. Em certo momento, no final da Av. Brigadeiro Luiz Antônio, vê um casal de namorados e sente vontade de conversar, mas falta-lhe coragem.
Enfim, a madrugada vai terminando e ele tem de ir... Toma um taxi, desejando que a viagem para casa nunca termine.

[Fecharia os olhos, como outrora, e sua mãe viria quietamente puxar os cobertores. O corpo engelhado, entretanto, dói-lhe e faz-se uma presença da qual não poderá escapar. O edifício onde mora (pag. 54)]

Ao sair do taxi, na calçada, sozinho, Hipólito reluta. Procura a chave no bolso, acende um cigarro. Angustiado, entra...


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